Basta. Já chega. Não massacrem mais o pagode. Ou acham que somos todos parvos?
Não bastava o comício congressual do PS e o massacre televisivo, com alguns portugueses a prestarem-se ao papel de figurantes para endeusar durante três dias (três!), um líder, o Zé, o novo messias, o guerreiro da pátria renascido das cinzas para travar o próximo (e último?) combate.
Agora, enquanto os burocratas do FMI e do BCE vêm cá fazer a inspecção e preparar as suas ordens ao protectorado, continuam as cansativas batalhas verbais entre PS e PSD sobre se a causa da crise foi o ovo ou a galinha. Ou seja, se houve reunião ou apenas telefonema para falarem do PEC 4.
Diferenças sobre o que é preciso fazer para enfrentar a crise? Projectos e propostas políticas em debate e alternativos, para os portugueses escolherem? Nicles.
Quando as diferenças entre as propostas de Sócrates e de Passos Coelho para enfrentar a crise se resumem à escolha entre a forca e a guilhotina, percebe-se tamanha necessidade de fogos de artifício. Quanto mais ruído e espectáculo, melhor.
Afinal, Sócrates e Teixeira dos Santos já juraram mais vezes do que Pedro a renegar Cristo que o último PEC era mesmo o último. Até ao seguinte.
Passos Coelho também já nos disse em português que desta vez era contra o PEC 4 porque congelava as pensões mais baixas, suprema vileza. Ao mesmo tempo que em inglês escrevia, para inglês ler, que discordava do PEC 4 porque queria mais austeridade. Para não falarmos na sua inesquecível defesa, com o habitual ar sério, do carácter “democrático” de um aumento brutal do IVA (claro que nem lhe passa pela cabeça obrigar os bancos a pagar o mesmo IRC que as outras empresas).
Ambos juram com os olhos em bico defender o Estado Social.
Sócrates berra que dá a vida por ele. Reduzindo salários, cortando os subsídios de desemprego e outras prestações sociais. Reduzindo as subvenções aos medicamentos, o financiamento do serviço nacional de saúde e continuando as parcerias com os privados nos hospitais. Convertendo os desempregados e os beneficiários do rendimento mínimo em párias sob suspeita, enquanto protege bancos e grupos económicos na acumulação de fartos lucros e no pagamento de baixos impostos.
Passos Coelho sonha com um Estado Social convertido em Estado assistencial para pobrezinhos. Quanto à maioria dos portugueses (ricos, como se sabe!), se quiserem saúde e educação, que a paguem, que é o nome verdadeiro da famigerada liberdade de escolha com que se propõe liquidar a universalidade dos direitos sociais.
O jogo é cada vez mais claro.
Ambos querem que a União Europeia de Merkel & Sarkozy, o BCE e o FMI, se encarreguem de tirar por eles as castanhas do lume.
Ambos querem atirar para cima do outro as responsabilidades da grave crise económica e social em que ambos, e os seus partidos, mergulharam o país, com décadas de governação desastrosa. Ambos querem continuar a distrair o pagode até às eleições com estas guerras de alecrim e manjerona. Para se entenderem depois em nome do invocado interesse nacional, se for preciso, porque o que lá vai, lá vai. E porque esperam que os portugueses tenham a memória curta. Julgando-se confortados por terem um bode expiatório para justificar as medidas do costume em cima dos mesmos de sempre (são os mercados, é o PEC imposto por Bruxelas e o FMI, não temos culpa, não é?).
Além do mais, para ajudar à festa na preparação espiritual dos portugueses, há sempre tantos economistas e outros sábios bem pagos dispostos a oficiarem diariamente nas televisões a preparação colectiva para a expiação e os sacrifícios. Para perdão dos crimes passados e conquista da futura salvação (exacto, a tal “salvação nacional”). Os tais que, como é sabido, ao longo destes anos, circulando entre as administrações, as universidades e o poder, raramente se enganaram e nunca tiveram dúvidas, tal como as agências de rating.
Sócrates, Passos Coelho & Cª (e não esquecer Portas, com ar sério, à espreita), esperam, com o ruído que produzem, que os portugueses não percebam que um e outro, mais os seus acólitos, vão nus e todos merecem há muito ser apeados do poleiro e substituídos por gente mais séria que não preste vassalagem aos senhores do dinheiro.
E se nas próximas eleições, para variar, os cidadãos comuns lhes descobrissem o jogo e pregassem uma surpresa?
E se, por uma vez em décadas, as esquerdas avançassem? Não com uma reunião interpartidária sem consequências, evento apenas para sossegar as aspirações de unidades nas hostes até Junho, que depois logo se vê. Mas com programas, propostas alternativas para a governação, debate político credível, ideias claras sobre as soluções de diálogo e convergência, apelo à mobilização cidadã dos sem partido e com partido, menos ruído e mais ideias.
E por que não? Alguém disse “o homem sonha, a obra nasce” (como sou ateu, omiti a primeira parte dessa frase…).
Entretanto, poupem-nos ao menos a tanto ruído e música pimba a fazer de debate político! É que a história do ovo e da galinha já cansa. As crianças precisam de dormir e os adultos já têm encargos de sobra para sobreviver…
Bom amigo e companheiro Henrique,
Concordo totalmente.
Como sempre, lúcido e directo.
Um abraço
mcarlos silva