Em entrevista à RTP 1 citada no Jornal de Negócios, o regressado Ferro Rodrigues vem defender “que haja um acordo, um acordo político que dê uma maioria forte no Parlamento, esse acordo tem de ser negociado a seguir às eleições”. Contrariamente ao que defendeu na altura, dizendo que se deveria tentar “um Governo à esquerda”, proclama agora que isso seria “completamente impossível”.
E porquê, agora que mais do que nunca existem boas razões para acrescentar esquerda à esquerda, de modo a romper com este ciclo ruinoso de governação do bloco central de interesses, ora com o PSD/CDS ora com o PS?
Ferro dá um argumento espantoso, que ficará certamente nos anais do pensamento político como desculpa de mau pagador:
Porque ao longo do último ano e meio os partidos de “extrema-esquerda” mais não fizeram do que “colaborar com a direita em relação à queda do Governo“. Assim. Sic!!!!
Ou seja, se bem percebemos o argumento:
Que o PS se alie com o PSD ou com o CDS, ou com os dois, na Assembleia da República ou no Governo, contra os partidos à sua esquerda, é normal. Business as usual.
Que o PCP e o BE votam de modo convergente com o PSD e o CDS (ou vice-versa) alguma crítica ao Governo, alguma resolução, alguma projecto legislativo que desagradem ao PS e ao seu Governo, isso é pecado mortal. Mas só é pecado mortal para os partidos à esquerda. Quanto ao PSD e ao CDS, estão sempre perdoados por Ferro e pelo PS. Afinal, são partidos do “arco do poder” (ou devemos antes dizer do “arco dos interesses” ?), o tal “arco” que fez da governação do país a conhecida receita para o desastre que nos querem agora fazer pagar.
São gente respeitável, que frequenta os mesmos gabinetes, os mesmos conselhos de administração, as mesmas sociedades de advogados, os mesmos restaurantes, as mesmas sociedades ditas “secretas”. Afinal, não anda o próprio Mário Soares numa roda viva de contactos com essa gente para conseguir a tal “maioria forte” ? Que salve os interesses da mesma elite que sempre que nos tem apertado o cinto em nome dos “amanhãs que cantam” e que todos os dias nos que explica como é que desta vez é que é, desde que fiquemos mansos, sofridos e quietos?
Alguns dirão que fez bem a Ferro o seu exílio dourado de embaixador junto da OCDE. Mas os que cá por cá sofrem, e resistem, e protestam, e querem uma mudança de rumo, percebem muito bem que se trata apenas de mais uma captura pelo “arco dos interesses”.
E dá vontade de perguntar a Ferro: e a esquerda, pá?
A necessidade verga os homens é a conclusão que tiro desta vaga de demissões na nossa vida pública.Creio que temem o caos e cedem à tirania dos mercados.Na verdade o caos em que a tirania dos mercados nos mergulhou não é fértil como acontece nas vias democráticas para uma mudança.Na tirania o caos que nos destrói em silêncio e como que em ordem aparente é estéril.