Com autorização do meu amigo Nuno, aqui ficam as suas impressões pessoais de uma breve e primeira visita que fez com a família à Irlanda. Valem como um testemunho e um olhar impressivo sobre a vida e os costumes de um país que também foi colocado na lista dos PIGS e no epicentro da crise. São impressões certamente limitadas pela circunstância da viagem (curta) e de uma primeira descoberta, que não dava para conhecer a extensão da crise e o seu real impacto na vida das pessoas. Mas vale pelos pormenores e pela percepção de alguns contrastes dos estilos de vida, a cultura, os costumes. E, no conjunto, como assinala, não ficamos a perder na comparação quanto à qualidade de vida. Porque há mais vida para além do PIB, do défice, da dívida. Existem as pessoas. E é da descoberta da vida das pessoas em Dublin que tratam as notas pessoais desta viagem, que o meu amigo entendeu partilhar. A vida (também) é feita da partilha destes pequenos nadas.
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Olá, Henrique.
Muito obrigado por este guia que foi de grande utilidade. Visitámos a maior parte dos lugares mencionados, embora com a limitação de levarmos os miúdos. Devido aos preços não andámos a comer fora, embora tenha dado para um almoço no Bewley’s, que é um sítio lindíssimo na Grafton Street.
PASSEIOS:
As visitas a museus e galerias são complicadas por causa do miúdo. Ainda é muito pequeno e, como viste, não para quieto nem calado, é endiabrado. Passou todo o tempo em Dublin numa agitação enorme, só queria andar na rua a observar tudo.
Não visitámos a Guiness Storehouse porque nos disseram não ser interessante o suficiente para o preço que cobram (só um aparte, a fábrica da Guiness ocupa um quarteirão inteiro!). O tempo não permitiu ir fazer um piquenique ao Phoenix Park, como eu tencionava. Esteve quase sempre a chover. Fomos até à Kilmainham Gaol, que toda a gente me recomendava como uma excelente visita, mas fomos aconselhados na receção a não entrar, porque é uma visita guiada de uma hora e o miúdo ia de certeza fazer-nos a vida negra. Paciência, fica para a próxima.
Visitámos o National Leprechaun Museum, onde ouvimos os antigos mitos celtas fundadores da identidade Irlandesa. Visitámos Dublinia, uma exposição sobre a história de Dublin desde as primeiras incursões vikings até ao século XVII, quando se acentuou a tirania inglesa. Daí há uma ponte decorada com vitrais até à Christchurch, que vale a pena visitar pela beleza e interesse histórico. Estas visitas foram muito do agrado dos miúdos.
Na Trinity College fomos ver o famoso Book of Kells e as suas iluminuras. Depois fomos até à Old Library, que é um espetáculo, com 200.000 livros e uma série de objetos macabros, como instrumentos cirúrgicos e esqueletos humanos. Aliás, os irlandeses têm um certo gosto pelo macabro e humor negro.
Visitámos o castelo, que não tem nada de especial, e fomos à National Gallery. Aí vimos uma exposição de fotografia sobre a Irlanda do Norte nos anos 70. Não conseguimos ver a exposição permanente por causa do miúdo, que estava de mau humor. Num edifício anexo estava uma exposição de Frida Kahlo e Diego Rivera. Mas depois de ter visto a exposição dela no CCB, esta deixou muito a desejar. O edifício consiste numa série de pequenas salas brancas repartidas por diversos andares. Andar a subir e descer escadas para ver salas apertadas e sem graça com dois ou três quadros não constituiu uma grande experiência.
Uma boa parte da viagem foi passear pelas ruas de Dublin e apreciar a atmosfera. É tudo plano e anda-se muito bem a pé. O tempo estava ventoso e frio. Num momento está um sol radioso, em 20 minutos começa a chover. Depois fica um grande sol outra vez. É assim durante o dia todo. O norte da cidade, onde nós dormíamos na James Joyce Street, é mais operário. Veem-se muitos bêbedos na rua porque há uns bairros sociais por ali. Há imensos imigrantes, especialmente polacos. O sul está cheio de casas chiques e é mais limpo.
Não saímos da cidade. Os nossos amigos portugueses queriam levar-nos a uma vila piscatória a norte de Dublin, mas no sábado estava a chover. E ia ser uma viagem demorada, porque as linhas férreas e estradas por lá são mais atrasadas do que as nossas. Viajar entre duas cidades leva horas, de autocarro ou comboio.
DIVERSÃO:
Uma noite, deixámos os miúdos à guarda dos nossos amigos e fomos ao Temple Bar, o Bairro Alto de Dublin (embora mais pequeno). A seleção escocesa esteve lá a jogar e estava tudo cheio de tipos de kilt de cerveja na mão. Pelos vistos os escoceses e irlandeses adoram-se, porque estavam todos juntos em alegre comemoração. O bairro tirou o nome de um velho pub (o próprio Temple Bar) onde estivemos a beber uma Guinness e apreciar música tradicional irlandesa ao vivo. Excelente ambiente, mas já se notavam uma grandes bebedeiras que não sei no que é que deram depois de sairmos.
Os nossos amigos portugueses dizem que, ao contrário dos britânicos, que só saem ao fim de semana, os irlandeses bebem todas as noites no pub. Dá para ver alcoólicos por todo o lado, tal como nós tínhamos os heroinómanos nos anos 80 e 90. De manhã já se vêm grupos de pessoas à porta dos supermercados a beber qualquer coisa que tenha álcool. Estas mesmas pessoas fazem fila à porta das delegações da Segurança Social espalhadas pela cidade.
MODO DE VIDA:
O ambiente para trabalhar é ótimo, ganha-se muito bem e há uma cultura do respeito pela vida privada que nós não temos. Aqui, a mentalidade é que os empregados têm que estar 24 horas ao serviço de todos os caprichos do patrão. Lá, as empresas fecham as portas às 5 e toda a gente tem que sair. Tem piada, porque nós, com a nossa mentalidade de escravos, somos menos produtivos e mais pobres do que eles, que trabalham menos horas. Os amigos portugueses que nos acolheram não querem voltar para Portugal. Digamos também de passagem que aquilo beneficia muito de ser um paraíso fiscal para as multinacionais…
Quanto à crise, ninguém dizia sentir crise nenhuma, nem vi qualquer sinal dela. Pelo que me contaram, a crise teve um impacto muito reduzido na vida dos irlandeses.
Não é possível andar sempre a comer fora porque é caríssimo. Comprámos comida e cozinhámos. Tive a agradável surpresa de verificar que os produtos à venda nos supermercados são todos de boa qualidade. E são todos irlandeses, ao contrário dos nossos que são importados. Na Escócia tinha tido uma má experiência com a comida. Lá, os produtos à venda nos supermercados são horríveis e a carne, especialmente, é uma porcaria. Felizmente na Irlanda é completamente diferente.
As ruas estão sempre cheias de gente, de manhã à noite. Os irlandeses são educados, calorosos e prestáveis, em contraste com outros povos do norte da Europa, principalmente os ingleses, de quem não tenho boa impressão. Os irlandeses têm sempre uma piada ou um trocadilho para dizer e fartavam-se de rir sempre que eu entrava no jogo e fazia também uma piadinha.
Há referências aos heróis irlandeses por todo o lado. Também têm um orgulho enorme nos seus escritores (que, confesso, nunca li, exceto o Bram Stoker) e têm monumentos por todo o lado dedicados a eles. O Obama tinha saído do país no dia anterior à nossa chegada. Havia retratos dele por todo o lado e as lojas e restaurantes tinham um “desconto Obama”. Da rainha de Inglaterra, que esteve lá na mesma altura, nem sinal.
Há dois tipos de irlandeses que parecem vir de planetas diferentes: As pessoas normais, que são impecáveis, e os xungas. O contraste é enorme. Enquanto os primeiros andam a tratar da sua vida, os segundos reúnem-se à porta dos supermercados a beber, a discutir uns com os outros, insultar os polícias e urinar nas esquinas. Gente de todas as idades e sexos, com a tatuagem barata no pescoço, o fato de treino e o cigarrinho, elas com o carrinho de bebé. Creio que isto são restos do horrível sistema de dominação inglesa, em que os católicos estavam impedidos de estudar, exercer profissões ou possuir terra.
COMPARAÇÃO COM LISBOA:
Apesar de ter gostado muito da visita, fiquei com a sensação que a Irlanda não é assim tão desenvolvida. Os interiores das casas são pobres, comparados com os nossos. Os acabamentos e os equipamentos são maus, e nós estivemos numa casa nova, num sítio chique. Os museus deles não são nada de especial, acho que Lisboa tem mais oferta turística, histórica e cultural. Temos melhores transportes e o acesso ao resto do país é muito mais fácil. Pelo que me disseram, a paisagem rural irlandesa é bonita, mas toda igual. Portugal fervilha de diversidade. Se nos promovêssemos como eles fazem, teríamos muito mais para oferecer. A diferença é que eles exaltam tudo o que têm com um orgulho enorme e criam enormes expetativas, enquanto os portugueses estão-se borrifando.
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