A violência doméstica é sempre, em qualquer circunstância, um acto repugnante. Seja entre quem for, seja contra quem for. Os doutoramentos em filosofia não trazem por si só qualidades aos homens.
A discussão na redacção era se devíamos dar a notícia.
– A confirmar-se, e depois de ouvidas as partes envolvidas, claro que sim! – diziam uns.
– Isso são notícias para a imprensa cor-de-rosa! – contestavam outros.
– A nossa rádio não dá essas coisas. – acrescentavam alguns.
– Isso é lá da vida de cada um. Quem é que quer saber disso? – questionavam outros.
– Não se trata da vida da Bárbara e do Manuel. É a violência que está em causa.
– Mas isso é lá com eles!
– Não senhor! Nem pensar! Isso é um crime público!
– E se não fosse a Bárbara e o Manuel, também davas? Se fosse a Xica e o Zé, davas a notícia?
– Mas precisamente por serem figuras reconhecidas do público é que devemos dar.
– Até pelo facto de ela ter feito queixa devia servir de exemplo aos casos da Xica e do Zé. E de todas as Xicas e de todos os Zés.
– Mas devíamos dar sempre notícias destas? Tinhas a antena cheia dessas coisas.
– Claro, porque a sociedade acha que isso é banal, que é normal um homem bater numa mulher.
– Alguém acharia normal que a TSF desse uma coisa dessas na abertura do noticiário?
– Não tem que ser abertura.
– Isso é para o Correio da Manhã e para a TVI. Vende como pãezinhos quentes.
– Não se trata de vender ou não. Não tem a ver com audiências.
– Mas o que é que isso interessa ao “ouvinte TSF”?
– Não ao ouvinte TSF. Mas a qualquer ouvinte. Não há perfil classe e A. Há um crime, aqui.
– Bah, um crimezeco social. Cor-de-rosa. Interessa às cabeleireiras.
– Interessa às pessoas. À sociedade. É um problema social grave.
– Mas qual é o facto relevante?
– Haver um crime público. Praticado por uma pessoa pública. Contra outra pessoa pública. Não chega?
– Não sabes se se confirma. Pode ser mentira. E quê, usas o “alegadamente” e já está?
– Não. A questão é antes dessa. O primeiro passo é saber se vale a pena ou não confirmar a notícia. O facto, por si só, é relevante. Não é por ser a Bárbara ou o Manuel. Repito: um crime público. Praticado por uma pessoa pública. Contra outra pessoa pública.
A discussão na redacção manteve-se. Não demos a notícia. Mas foi bom discuti-la.
Deixe um comentário