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Posts Tagged ‘Questão Social’

Logo no day after das eleições presidenciais, o Governo de Sócrates explicou-nos da forma mais dolorosa e brutal uma das principais razões pelas quais Manuel Alegre, candidato em melhores condições de disputar a 2ª volta por parte das esquerdas, não podia vencer:

Apresentou na Concertação Social a sua proposta para reduzir a indemnização por despedimento, através da imposição de um tecto máximo ao seu valor (12 meses de salário) e da redução para 20 dias de salário por cada ano de trabalho, e aplicando o corte também aos contratos a termo, que seriam assim ainda mais generalizados. Como anzol e isca para anestesiar os actuais trabalhadores, lá prometeu que seria apenas aplicável aos novos contratos de trabalho. Enquanto as confederações patronais gulosas, com a CCP a servir de lebre, já vão pedindo o corpo a quem ofereceu o braço, ou seja, que a redução seja aplicável a todos.

Afinal, não foi este Governo que mandou às malvas o valor dos contratos, da negociação colectiva e dos direitos acordados, ao cortar unilateralmente salários e outros direitos na Função Pública e empresas públicas? E não existem luminárias que, em nome da “igualdade”, acham que já agora o melhor é normalizar por baixo e cortar a todos, de modo a ficarmos todos mais pobrezinhos?

O ataque aos direitos e ao Estado Social através do corte geracional!

Este Governo prossegue a táctica, que já vem sendo utilizada pelo poder político e pelos patrões, de recorrer à separação geracional dos trabalhadores no processo de destruição de direitos sociais e laborais duramente conquistados no século XX. Anestesiando e reduzindo a resistência social (afinal, não é para nós, é para os outros…) e aproveitando o conformismo social produzido pela intensa pressão mediática dos “sacrifícios” e da “austeridade” necessárias para sair da crise gerada pelos mesmos que estão a ganhar com ela. Não por acaso, a dimensão do corte de direitos aos novos trabalhadores é menos valorizada nas críticas sindicais.

Enfrentamos assim a desgraçada situação paradoxal de a jovem geração mais preparada e culta de sempre ser também a primeira geração a ter menos direitos, menos trabalho, menos protecção social e salários mais baixos que os seus pais. Enquanto cresce a concentração da riqueza à sombra da captura (não apenas promiscuidade) da política pelos negócios.

A criação de um “fundo” cuja lógica ninguém percebe

Para que serve o fundo para financiar os despedimentos na base de pretensas contribuições das “empresas”que o Governo propõe, de facto cometendo a crueldade social de colocar os trabalhadores a pagarem, através de mais cortes nos salários, o seu próprio funeral? Para estimular a competitividade ou criar empregos, também não é certamente, porque se traduz em mais encargos imediatos nas empresas, como tributação adicional sobre o trabalho, em nome de um suposto “benefício” futuro. Ou este fundo esconde a manobra de vir a ser financiado pela Segurança Social Pública paga pelos trabalhadores, na linha de outros desvios inaceitáveis dos seus dinheiros para os bolsos das empresas?

 O argumento que a evidência empírica sempre tem desmentido

A fundamentação governamental e os aplausos patronais e dos seus comentadores de serviço (os tais e os mesmos que nunca se enganam, antes, durante e depois das crises) para estas medidas é a do costume: incentivar a competitividade, promover o crescimento e o emprego.

A mesma treta que PS e PSD nos impingem há anos, com PECs e sem eles: sempre novos assaltos aos direitos e à bolsa (não à Bolsa, que essa protegem-na quanto podem!), com o resultado conhecido de o “bom aluno” ir deslizando cada vez mais para a cauda da Europa – mais desemprego, mais precariedade, contratos a prazo e falsos “recibos verdes”, mais pobreza, mais desigualdade, mais atraso económico relativo.

Os ventos e os exemplos de Espanha ou a lógica do plano inclinado?

Um argumento central do Governo é que as indemnizações por despedimento em Portugal são muito elevadas comparativamente com o resto da Europa e que as medidas propostas são iguais às tomadas na vizinha Espanha. Não somos adeptos da ideia de que “de Espanha nem bom vento, nem bom casamento”, e nem os padrões de vida, nem as medidas, nem os padrões de rendimento são iguais.

Por isso perguntamos: se é para seguir exemplos, por que carga de água é que não aumentam também o salário mínimo nacional lusitano dos actuais 485 € para os 640 € de Espanha? E, já agora, por que não elevam os salários médios dos trabalhadores portugueses dos actuais 894 € para os 1 538 € da vizinha Espanha ou para as remunerações médias na Europa? E, já agora, porque não harmonizam o IVA, na Espanha de 18% e em Portugal de 23%?

A verdade é que este Governo, como igualmente o PSD, com os seus PECs e o seu servilismo perante uma União Europeia capturada pelos “mercados financeiros” e pela narrativa neoliberal, estão determinados a desvalorizar mais e mais a varíável dos custos do trabalho na vertigem suicidária de que a competitividade económica e o sossego dos “mercados” se resolve através de uma oferta de mão de obra ainda mais barata e indefesa, desmotivada e desprotegida. Assim perpetuando e agravando um modelo económico assente em baixos salários, actividades desvalorizadas e sectores de bens e serviços protegidos e entregues aos grandes interesses privados (os chamados bens não transaccionáveis).

Perguntas à espera de resposta:

Como é que ainda têm a lata de nos contar sempre a mesma história, de que facilitar mais o despedimento é o caminho para mais emprego, num país que já tem uma das mais elevadas taxas europeias de desemprego, de precariedade nos contratos de trabalho, e uma das legislações mais permissivas de despedimento colectivo e dos mais baixos salários?

Qual a racionalidade desta iniciativa do Governo, a não ser a de prosseguir no caminho errático e sem saída de contentar e sossegar os “mercados financeiros” e os seus agentes em Bruxelas, que logo vieram aplaudir esta medida, e de tentar quebrar mais e mais a resistência dos trabalhadores ao desmantelamento do Estado Social e à redução das relações de trabalho à lei da selva?

Mobilização social e iniciativa política à esquerda, precisam-se!

A Concertação Social, em vez de ser um espaço de representação e participação na criação de uma cultura positiva de diálogo social na construção das políticas públicas económico-sociais, continua assim pela mão do Governo PS de Sócrates a ser esvaziada e crescentemente reduzida a um papel instrumental e sem futuro de câmara de ressonância das medidas neoliberais de um Governo “socialista”. O conflito e a mobilização social emergem assim como o caminho inevitável para enfrentar os PECs que já cá cantam e os que se preparam.

A retoma da ofensiva anti-social do Governo, após um breve interregno de alguns dias na campanha das presidenciais, põe também a nu a urgente necessidade de reagrupamento das forças sociais e políticas que se opõem a este caminho.  A iniciativa do Governo, como também as anunciadas conclusões da Direcção do PS, não aprendendo com a sua responsabilidade na vitória da direita nas presidenciais, pretendendo esquecer Alegre  e “recentrar” o PS, distanciando-o duma esquerda incómoda e virando ao centro (ou à direita, depende do lugar de observação…), não auguram nada de bom.

A rendição da social-democracia na Europa e em Portugal à narrativa neoliberal do capitalismo exige uma agregação e rearrumação de forças por parte de todos quantos não desistem de propor uma alternativa de governação e de política à esquerda, e não se conformam apenas com a resistência social, ou crescerá a captura dos desiludidos pelo abstencionism e, pela demagogia. Então outros saberão, agitando as ilusões populistas de extrema-direita, como se vê na Europa e também sucedeu num passado não muito longínquo, combinar o ataque à democracia política com a instrumentalização da Questão Social e com a exploração do desalento causado pela sistemática traição das promessas eleitorais pelos partidos de governo. Os níveis anormalmente elevados de desconfiança interpessoal e no sistema político verificados entre os portugueses são o caldo de cultura e o aviso para isso. A distracção política, as guerras paroquiais e o sectarismo terão um preço elevado.

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A hipocrisia e as contradições entre discursos e intenções proclamadas para show-off e a efectiva prática política do directório franco-alemão, apoiado por uma subserviente Comissão Europeia, no enfrentamento da actual crise e na atitude face aos problemas da Grécia, estão bem ilustrados e chocantemente documentados na intervenção no Parlamento Europeu do deputado dos Verdes, Daniel Cohn-Bendit, que aqui reproduzimos e que foi já também divulgada pelo excelente blogue Ladrões de Bicicletas.

A sua denúncia é mais uma demonstração do naufrágio em que a União Europeia está em vias de mergulhar, podendo conduzir a uma séria deriva nacionalista e populista de direita nos países-membros, um forte recuo da frágil coesão Europeia, a submissão à ditadura do capital e dos mercados financeiros, o golpear do seu grande sinal distintivo e avanço civilizacional (o Estado Social ou Estado-Providência) comparativamente com os outros grandes espaços económicos e políticos, desenvolvidos ou emergentes.

A tragédia e a farsa

Lembremo-nos do que sucedeu na Europa nos anos 20 e 30 do século passado, durante a grande recessão económica, as hesitações e recuos das democracias liberais face à ascensão e domínio, na maioria dos países, de soluções autoritárias, fascistas e nacionalistas com políticas belicistas, a redução do comércio internacional e o crescimento do proteccionismo nacional, o enfraquecimento das instituições internacionais e a criação do caldo de cultura agressivo que conduziu à 2ª Guerra Mundial, tendo como principal e mais sacrificado teatro a Europa, como já sucedera com a primeira grande guerra desse século.

Dizia Hegel que os grandes acontecimentos históricos tendem a acontecer sempre duas vezes e Marx, a propósito, numa sua obra (o 18 Brumário), corrigia essa afirmação, dizendo que sucedem primeiro como tragédia e depois como farsa. Como também analisa Slavoj Zizek numa sua obra recente (First As Tragedy, Then As Farce), a aplicação desta ideia à primeira década do novo século pode ser expressa em dois acontecimentos: a tragédia do 11 de Setembro de 2001, com as consequências e abalos políticos mundiais que se lhe seguiram, e a crise económica e financeira mundial do final da década, que continuamos a viver.

Como podemos interpretar senão como uma farsa trágica a incapacidade, incompetência, desorientação e pequenez das actuais lideranças políticas europeias (de que temos por cá um triste, errático e servil exemplo caseiro), a reacção tardia, titubeante e desunida da UE e dos maiores estados-membros à investida especulativa, que não pára, concentrando o essencial das medidas e respostas em cedências sucessivas à pressão das agências de rating combinadas com os investidores especulativos?

Assim vão fortalecendo a dominação dos mercados financeiros e a consolidação do poder e hegemonia duma direita neoliberal que quer aproveitar a situação para alargar o domínio do mercado a todas as esferas da vida, privatizar o que falta, dar novos golpes na coesão social, agravar mais a precariedade do trabalho e as desigualdades e promover o retorno de um nacionalismo económico, a começar pelas grandes potências europeias,

O naufrágio em curso do projecto da União Europeia

 Estilhaçam-se deste modo as declarações grandiloquentes sobre o Tratado de Lisboa. Convertem-se em figuras apagadas de opereta os novos cargos institucionais europeus criados por este tratado como exemplo de reforço da cooperação política. Emerge uma pulsão nacionalista e populista alemã sem escrúpulo em sacrificar os países europeus aos interesses dos seus bancos, sem cuidar do ricochete que também sofrerá. O governo britânico (sempre com um pé dentro e outro fora da Europa) vai aproveitando para se assumir como força de bloqueio a tudo o que limite a liberdade do capital financeiro e alargue direitos sociais.  Consente-se a entrada e intervenção do FMI no espaço da UE, esse famigerado organismo cujas receitas conduziram à recessão em tantos países e de que os portugueses guardam má memória da sua intervenção em 1983, lembram-se?

Mesmo a tímida intervenção decidida pela UE para apoiar a gestão da dívida dos estados-membros, foi realizada de modo vergonhoso, irracional e para benefício dos grandes bancos: estes vão financiar-se em nome da crise, ao BCE, a uma taxa de 1%, enquanto o BCE está proibido de adquirir directamente os títulos de dívida pública, à mesma taxa, para financiar os estados-membros, apenas podendo comprá-los no chamado mercado secundário, ou seja, adquirindo-os aos bancos, a juros muito mais elevados.

Como podem pois os mercados financeiros deixar de continuar a pressionar os governos e os países para prosseguirem políticas fortes contra os fracos e fracas contra os poderosos (de que o Governo de Sócrates e o renovado bloco central PS-PSD são alunos exemplares), para prosseguirem a farta acumulação de mais-valias, numa espiral descontrolada de “remédios” que correm o risco de matar muitos pacientes? Eis a famosa (ir)racionalidade do mercado e dos seus agentes, em todo o seu esplendor!

E as poucas medidas faladas na UE para reforçar a solidariedade e coordenação política e económica europeia face à crise, marcam entretanto passo e arrastam-se penosamente nas cimeiras, enquanto à boleia avançam tentativas de um diktat dos poderosos destruidor dum verdadeiro e solidário projecto de união política, de que é exemplo a espantosa proposta alemã de controlo dos orçamentos dos estados-membros antes sequer de os parlamentos nacionais os apreciarem! Ou, dizendo mais exactamente o que lhes vai na alma – terem o direito de exame prévio e censura sobre o orçamento português ou grego, porque ninguém acreditaria na anedota de  ver o parlamento português a vetar o orçamento alemão…

Como refere Stiglitz numa recente entrevista ao jornal Le Monde (ver aqui), a União Europeia caminha para o desastre com a política e as receitas de austeridade em curso, em vez de optar por uma política de coesão, de solidariedade e de reforço da sua união política.

Por um novo rumo democrático para relançar a UE e o projecto europeu

Defender o futuro democrático da União Europeia e prevenir novas ameaças à paz na região exigem uma mudança do seu rumo, através da adopção de medidas que têm vindo a ser defendidas e propostas por economistas adeptos de um pensamento crítico, pela ATTAC (ver também aqui a declaração comum das ATTAC europeias, incluindo a ATTAC Portugal) e por forças políticas à esquerda:

– Uma nova orientação para o BCE (não assumindo apenas como função o obsessivo controlo da inflação, mas com a função de promover o emprego e a coesão social e económica),

– A profunda revisão do recessivo Pacto de Estabilidade e Crescimento, que tem sido parte do problema e não parte da solução das economias europeias;

– Um orçamento europeu suficiente e capaz de sustentar as políticas de solidariedade e coesão à escala da UE;

– A instituição de títulos de dívida pública europeia que permitam apoiar as economias mais frágeis sem a sujeição ruinosa actual aos apetites dos mercados financeiros;

-A constituição de uma agência de notação financeira (rating) pública europeia, que enfrente o jogo perigoso das agências de rating anglo-saxónicas (financiadas pelos mesmos bancos e fundos de investimento que avaliam) que, sem transparência ou controlo públicos, põem em causa as economias de países ao serviço da especulação e dos mercados financeiros;

– A proibição no espaço europeu dos paraísos fiscais e dos produtos financeiros tóxicos, a taxação das transacções financeiras e a sujeição de todo o sistema financeiro, e não apenas dos bancos, a um controlo político transparente e rigoroso que defenda o interesse público;

– O desenvolvimento e qualificação do Estado social e dos serviços públicos, racionalizando-os e assegurando a sua sustentabilidade, como um sinal distintivo e uma referência positiva mundial das sociedades europeias;

– Uma política económica que assegure a caminhada efectiva para a coesão e a redução das desigualdades no espaço europeu, que assegure a sua protecção  contra o dumping social realizado pelas economias que não respeitam direitos laborais e sociais mínimos e que recuse o caminho da degradação social em nome da competitividade com as economias emergentes, para benefício das transnacionais europeias que para aí deslocalizam a sua produção.

 -A afirmação da UE como um bloco político, económico e social de progresso que pese positivamente na balança mundial de forças para uma resposta positiva aos gravíssimos desafios relativos à paz, ao ambiente e à pobreza que ameaçam a humanidade.

Se o proteccionismo económico constitui um recuo à escala nacional, já medidas de protecção económica, controlo e subordinação política dos mercados financeiros e dos movimentos de capitais à escala da União Europeia constituem, como tem sido sustentado por economistas de pensamento crítico e à esquerda, um caminho alternativo para o combate à recessão e à crise, dada a inexistência de instituições políticas capazes de regular e controlar os mercados e o capital financeiro à escala mundial.

 A Questão Social permanece central na Europa

 Como lucidamente alertou o historiador Tony Judt num artigo notável sobre “O Renascimento da Questão Social”, as reformas e compromissos sociais do pós-guerra nas democracias liberais foram em grande medida uma resposta ao receio do retorno do desespero e descontentamento sociais que se julgava estarem na raiz das escolhas políticas que então conduziram à guerra. Por isso, a Questão Social, se não for tratada, não desaparece, buscará antes saídas mais radicais.

O mesmo autor, num livro que acaba de publicar (Ill Fares the Land), observa que o período de cerca de três décadas passadas até meados dos anos 70 constituiu um período de redução das desigualdades, mas que desde então até à actualidade (com as políticas iniciadas por Reagan e Thatcher e sob a inspiração do utilitarismo individualista e do capitalismo libertário de Hayek), as desigualdades voltaram a crescer. O CEO da General Motors recebia em 1968 o equivalente a 66 vezes a remuneração média de um trabalhador da empresa. Hoje, o CEO da cadeia de distribuição Wal-Mart recebe 900 vezes a remuneração média dos seus trabalhadores. Por cá, basta consultar os relatórios da CMVM (ver aqui) sobre as remunerações dos administradores das empresas portuguesas cotadas em bolsa para perceber que a situação não é diferente nem melhor

Judt, um insuspeito e lúcido social-democrata, alerta-nos que o maior perigo da submissão actual ao mercado e do recuo do Estado na sua dimensão social, reside no crescimento das desigualdades e de estas corroerem por dentro as sociedades. Propõe por isso na sua obra, que constitui talvez uma espécie de testamento político (está gravemente doente), ele que é um dos maiores estudiosos e historiadores do século XX e das suas lições, que a esquerda recomece de novo, que os cidadãos ousem criticar quem governa, que se assuma o conflito social e a Questão Social como questão permanente das sociedades democráticas, que se recupere a centralidade  do Estado ao serviço da redução das desigualdades sociais e como um renovado Estado-Providência.

E à esquerda, que fazer?

Esta visão de Judt está nos antípodas das “terceiras vias” com que os partidos da Internacional Socialista se foram rendendo na Europa à realização de políticas de direita, pressionados pela onda neoliberal e pelas teorias do capitalismo libertário. Mas é um contributo inspirador para os que não desistem de agregar forças à esquerda, e que porfiam no combate para subordinar a economia à política, que devolva o sentido moral à economia em vez da sua deificação como ciência exacta que não é, que tenha como prioridade as pessoas e não os mercados, que assegure o primado do interesse público e dos serviços públicos na realização do bem comum.

O desafio que está colocado às esquerdas europeias é se são capazes de convergir e erguer uma proposta renovada e adequada aos desafios do nosso tempo, mobilizadora e alternativa à escala europeia. Solidária com o mundo do trabalho e com o movimento social de protesto que vai crescer. Recusando ceder à deriva nacionalista. Com um projecto europeu avançado, social, pacífico e progressivo. Aprendendo as lições da história e convergindo no combate por uma União Europeia mais democrática, mais coesa e mais avançada, que sustente a moeda única numa coordenação económica e política reforçadas, sem a qual o euro revela todas as suas fragilidades e instabilidade e a propagandeada unidade europeia se rompe ao primeiro embate crítico, incapaz e sem poder para gerir os conflitos de interesses.

Ou, se persistir a desorientação programática, o acantonamento nacional e a divisão reinante,  se o descontentamento social em crescendo vai ser sobretudo capitalizado pela direita xenófoba, demagógica e populista, deixando o movimento social sem uma alternativa política de progresso.

É tempo de aprofundar o debate e reforçar o combate, em Portugal e na União europeia, por um Contrato Social renovado que impeça o retrocesso civilizacional e social que o neoliberalismo, de mãos dadas com o grande capital financeiro, à boleia desta crise, querem instalar no espaço europeu.

Estes, quais aprendizes de feiticeiro, poderão desencadear um retrocesso civilizacional, político e social e conflitos de interesses de graves consequências sociais e políticas, ao arrepio das lições da história europeia, das suas revoluções progressivas e do seu movimento operário, que moldaram os avanços democráticos e as conquistas sociais hoje postos em questão.

A poderosa manifestação nacional da CGTP no dia 29 de Maio, as grandes mobilizações sociais em curso em Espanha, na França, na Roménia, na Itália ou na Grécia, demonstram a existência de forças, no mundo do trabalho e da cidadania, capazes de resistir à ditadura dos mercados e representam para as esquerdas o desafio de lhes darem projecção,  representação política eficaz e propostas programáticas alternativas, credíveis e viáveis.

Interrogações (e não conclusões) finais

Estão então os sindicatos e os sindicalistas disponíveis para responder positivamente ao apelo de Carvalho da Silva na manifestação da CGTP (ver aqui a sua intervenção) para a unidade de acção,com efectiva autonomia e sem dependências do poder e de estratégias partidárias, para assumirem uma frente comum de valorização dos interesses do mundo do trabalho como componente central duma outra política que aposte primeiro nas pessoas, nos direitos e na economia real e capaz de obrigar Governo e patronato a uma negociação colectiva e uma concertação social que não sejam apenas fachada, mas antes componentes efectivas duma democracia de base social mais ampla e robusta?

Está a UGT disponível para corresponder ao apelo do seu fundador Torres Couto, em entrevista televisiva no dia da manifestação, para assumir a necessidade da unidade e do protesto dos trabalhadores, rompendo com o seu comprometimento e dependência das políticas do bloco central, chocantemente expresso nas recentes declarações de João Proença?

Há disposição e vontade à esquerda, em Portugal, para agregar forças para esta empreitada e romper com a inevitabilidade e a fatalidade das receitas que há 30 anos a maioria dos economistas e analistas que circulam entre o poder político, as assessorias, administrações e canais de TV nos impingem, sempre em nome do superior interesse nacional, de facto para benefício duma minoria no país mais desigual da União Europeia?

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